A Vodacom ameaçou-me de morte
10.20 hrs. e estou a tentar avançar num trabalho, o raio do telefone tem vindo a tocar sempre a ecoar aquelas minudências que tudo trancam sem nada serem. E recebo mais uma chamada, um “número privado” agora, reprimo o palavrão e atendo – são raros os “privados”, às vezes de Portugal, talvez seja coisa da família, sempre temidas más notícias. Mas não agora pois ouço “Bom Dia, fala o operador Eduardo da Vodacom!” e segue-se a conversa. Eu num impaciente “que deseja? que se passa?“, pouco afável, reconheço, e ele pergunta-me “o senhor não recebeu uma mensagem da Vodacom?” e eu a irritar-me num “qual mensagem? estou sempre a receber mensagens da empresa“, coisa que qualquer cliente sabe, não nos largam com os estúpidos sms “ganhou bónus de 0,7 meticais” “ganhou 2,3 mensagens gratuitas”, forma da Vodacom dizer e redizer “tudo bom” “estamos juntos” “etc. e tal” de modo continuado, alapando-se aos clientes de modo insuportável.
Mas isto não explico com tamanho detalhe ao operador Eduardo, da Vodacom, esse que me está a telefonar hoje, às 10.20 hrs. E insiste “mas não recebeu uma mensagem no dia 2 de Fevereiro?” e eu aí canso-me, repetindo-me, “qual é o assunto? se recebo mensagens todos os dias, e várias, diga lá qual é questão ...” imaginando um qualquer problema no registo ou sei lá o quê. E o tipo, aliás o operador Eduardo da Vodacom que me telefonou hoje às 10.20 hrs de um número privado, avança e enceta a arenga com um “no dia dos namorados, no próximo dia 14, a Vodacom e o banco (e agora não me lembro se é o BCI ou o Standard, ou os dois) …” e eu interrompo-o, farto, chateado, apressado, “ouça, V. telefonou-me para fazer publicidade?! isso não, assim não …“. E o operador Eduardo, da Vodacom, que está ali a telefonar-me às 10.20 hrs de um número privado, irrita-se com a minha recusa à publicidade e passa para uma língua que eu desconheço e não reconheço, ainda que o perceba zangado. A mim resta-me perguntar-lhe (perguntar ao operador Eduardo, da Vodacom, este que me telefona de um número privado às 10.20 hrs) “o que está a dizer? não o estou a perceber …“. E então ele remata “eu vou-te matar! eu vou-te matar“. Eu, surpreso, riposto “ó operador Eduardo, V. está a dizer que me vai matar?” e ele insiste, repetindo, insistindo, afirmando-se “eu consigo matar-te, eu vou-te matar” enquanto eu me espanto, incompreendendo, julgando-me face a um modo verdadeiramente neoliberal de capitalismo selvagem de ataque ao cliente. Repito, vigoroso, “ó operador Eduardo da Vodacom V. telefonou-me para me dizer que me vai matar?“, “é fantástico“, e mais malévolo cruzo-lhe a voz num “operador Eduardo da Vodacom, você está louco“. E ele ainda insistirá mais uma ou duas vezes, operário colarinho branco a recusar-se a assim ser, a querer(-me) matar, cliente relapso. E aí compreendo o operador Eduardo, da Vodacom, assim fodido da cabeça naquele dedicar-me o “vou-te matar, eu consigo matar-te”, pois ele ainda não desligou e eu já me estou a lembrar do Goran Hyden, o tipo dos camponeses descampenisados. É óbvio que este operador Eduardo, da Vodacom (que me telefonou hoje às 10.20 hrs de um “número privado”) está “desoperariasado”, “desencolarinhizado”. Resiste, ainda.
Fico oscilando diante da imagem do operador Eduardo. Entre a vontade de lhe arriar uma sova, filhodaputa que me telefona a querer matar-me. E o solidário com um tipo ali, des-esperado, telefone na mão a ganhar a puta da vida. Farto.
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